Doença do machismo

Minha avó sempre me dizia que quando eu encontrasse um homem e “fosse boa o suficiente para satisfazer todas as suas necessidades” eu teria de honrar a escolha dele com alegria e agilidade.

Ela contava que quando se casou com meu avô, se tornou médica, cozinheira, empregada, massagista, mulher e ainda deveria estar bonita aos finais de semana, para que os amigos do meu avô pudessem ver com clareza que ele fez uma boa escolha em se casar com ela, ou seja, também era “troféu”. Coitada dela se esboçasse um sorriso para qualquer homem... Apanhava e ouvia xingamentos horrendos, com aprovação total de seu povo.

Ela deixava a casa brilhando e, no final do dia, meu avô entrava em casa com as botas sujas de barro. Se deitava na cama sem pudor e perguntava o que tinha para comer, pois estava faminto.

“Seu jantar está na mesa, há também broas de milho no forno.”

Enquanto ele comia como um animal, ela limpava novamente o chão sujo e tomava banho para agradá-lo na cama, caso ele quisesse.

Com pouco tempo, minha avó engravidou. Sete meses após ter minha mãe, engravidou novamente e com mais um ano, engravidou de novo.

Minha avó já não tinha o mesmo corpo, mas mesmo assim, se cuidava. Houve um dia em que meu avô não voltou para casa no mesmo horário...

Todos do bairro sabiam que ele tinha uma amante, além da que ele tinha antes do terceiro filho... Então, eram duas amantes.

Minha avó contou que aprendeu com ele o termo “chorar por dentro”. Mas a união permanecia intacta, pois “ele era homem e homem não se contenta com uma mulher só desde o início dos tempos”.

Todas as vizinhas da minha avó tinham maridos infiéis. Era normal, foi o que a minha bisavó a ensinou.
Mas a “normalidade” da traição deixou minha avó doente, ela caiu em depressão profunda e passou a ter desmaios frequentes.
Os médicos diziam que não era nada e, segundo todos, não era nada mesmo. Era frescura!

“Traição talvez não seja tão normal assim.” – Foi o que minha avó me disse, após o término de seu relato.

Meu avô teve filhos com uma das amantes e foi viver com ela, fazendo com que minha avó morresse acreditando que não era boa o suficiente.

Forçada a viver para servir alguém sem humanidade, faleceu minha avó, com a doença contagiosa do machismo. Passou para minha mãe que tentou passar para mim.

Mas comigo não! Traição não é normal e eu não devo ser “boa o suficiente” coisa nenhuma. Deve haver respeito e, principalmente, a certeza de que estou me relacionando com um homem e não com um animal pervertido.

- Juliane França

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